o ritual do grande desfazer
devia morrer-se de outra maneira.
transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
ou em nuvens.
quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do grande desfazer: "fulano de tal comunica
a v. exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. traje de passeio".
e então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
apertos de mãos quentes. ternura de calafrio.
"adeus! adeus!"
e, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
[josé gomes ferreira]
4 comentários disparatados:
que bonito... e como seria a despedida de "transformar-se" em estranja???
terça-feira, março 13, 2007
ai, quando é que isso vai acontecer? vais-te embora sem te despedires de mim, sua ursa despenteada?
quarta-feira, março 14, 2007
adorei o "ursa despenteada" ;) condiz comigo... mas fica sabendo que já fiz a depilação...
quinta-feira, março 15, 2007
olhaaaaaaa, quero sair na sexta ou no sábado! komé? vamos pá night?
quinta-feira, março 15, 2007
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