carta aberta da ABIC sobre a actual situação politico-económica
fui bolseira de doutoramento durante 5 anos. tive sorte - muita - e arranjei um emprego. quantos colegas não se vêem na necessidade de coleccionar pós-graduações, perpectuando uma situação precária e injusta, quantas vezes explorados por orientadores sem escrúpulos - basicamente, mão de obra frágil e barata, embora mais que qualificada.
por vezes, costumávamos brincar dizendo que, quando terminássemos os nossos doutoramentos tínhamos várias hipóteses: concorrer a uma bolsa de pós-doutoramento, ser caixa no jumbo, as mais giraças poderiam tentar um trabalhito na berska, fazer alterne, ou outras profissões menos ortodoxas.
por vezes, costumávamos brincar dizendo que, quando terminássemos os nossos doutoramentos tínhamos várias hipóteses: concorrer a uma bolsa de pós-doutoramento, ser caixa no jumbo, as mais giraças poderiam tentar um trabalhito na berska, fazer alterne, ou outras profissões menos ortodoxas.
é triste e não faz sentido que se invista na formação de cientistas para depois os ver partir para outros países. também não faz sentido que este investimento se faça de forma desresponsabilizada.
ou a política do governo muda ou, dentro em breve, existirá em Portugal uma situação mais que irónica: centenas e centenas de doutorados e pós-doutorados no desemprego.
por isso, aqui fica a carta aberta da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). e mais se informa que o manifesto "Por Uma Efectiva Política Nacional de Emprego Científico: Uma Necessidade Inadiável" se encontra ainda aberto para subscrição em http://www.bolseiros.org/peticao_1.html. a sua apresentação pública está marcada para o dia 15 de Junho, entre as 15h e as 18h, na sala 3.2.14 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no Campo Grande.
A situação nacional é hoje, sob vários aspectos, difícil e contraditória. As áreas da Ciência, da Tecnologia e da Inovação (CT&I) reflectem este estado de coisas. Os investigadores e os demais trabalhadores científicos não podem, portanto, deixar de se sentir interpelados de modo muito vivo por uma realidade que exige deles um importante contributo, através do exercício convicto da sua responsabilidade social.
Ao longo dos últimos anos, o papel CT&I na promoção do desenvolvimento económico, social e cultural, alcançou indiscutivelmente um mais amplo reconhecimento na sociedade portuguesa. Fruto desse reconhecimento, estes conceitos adquiriram uma centralidade no discurso político e económico, de que até então não beneficiaram. Mas, contraditoriamente, o relevo atribuído à CT&I no plano das palavras, dos discursos, das sucessivas declarações de intenções, teima em não se traduzir na prática em medidas concretas, palpáveis, que nos permitam supor poder ser ultrapassado – mesmo que no médio-longo prazo – o nosso atraso estrutural nestas áreas. A comprová-lo, a título de exemplo, a persistência e o agravamento dos problemas que os quadros científicos enfrentam, em especial as gerações mais novas.
Os recentes desenvolvimentos na vida política nacional, designadamente a focalização na questão do déficit das contas públicas e as soluções publicamente anunciadas para lhe dar combate, suscitam entre nós, bolseiros de investigação científica, fundadas preocupações. É sabido como este mesmo tema dominou, em larga medida, os últimos anos da vida nacional. São conhecidas as medidas adoptadas em nome do combate ao déficit.
São, no essencial, também conhecidas as consequências dessas mesmas medidas: na área da C&T, conduziram a um desinvestimento que deteriorou ainda mais o nosso já frágil sistema científico e tecnológico nacional. As instituições públicas de investigação e desenvolvimento, pilar estruturante deste sistema, viram-se privadas dos meios materiais e humanos necessários ao cumprimento, com dignidade e eficácia, das suas variadas missões. De entre estas, destaca-se a transferência do conhecimento científico e tecnológico para o sector produtivo, as empresas, a indústria, e o papel indutor que necessariamente terão que ter no reforço do investimento em I&D feito por parte destes sectores.
Resumidamente, *poderíamos dizer que tivemos menos gente, com mais parcos meios e com piores condições de trabalho a fazer Ciência em Portugal. Com a obsessão em reduzir “despesas”, abdicou-se do investimento susceptível de criar riqueza*.
É portanto altura de a comunidade científica – exercendo a sua responsabilidade social – exigir garantias de que a inflexão urgente que veio reclamando no curso da política científica e tecnológica nacional, efectivamente se concretize. Qualquer estratégia de desenvolvimento harmonioso e sustentável, terá hoje que assentar num investimento significativo (investimento, não “despesa”) em CT&I. *Mas atenção: não há verdadeiro investimento em Ciência sem investimento naqueles que nela trabalham!*
A criação de emprego científico de qualidade, com direitos, dignificando o trabalho científico, surge hoje como uma necessidade imperiosa. A falta de investimento nesta área não significa uma poupança para o país, mas pelo contrário um desperdício dos escassos recursos hoje afectos à Ciência. *De que vale investirmos na formação avançada de recursos humanos se depois estes se vêem empurrados para fora do país ou obrigados, no seu país, a viver em situações altamente precárias, remunerados através de bolsas sucessivas e sem perspectivas de contratos de trabalho?*
Neste contexto, é importante garantir as condições necessárias ao bom desempenho dos trabalhadores científicos, tanto no que diz respeito às condições laborais como aos meios materiais ao seu alcance. O pretexto da contenção das “despesas” não pode justificar, como no passado, a manutenção de injustiças e a desvalorização da força de trabalho qualificada. As situações de precaridade hoje existentes deverão ser corrigidas e não tomadas como referência, para uma harmonização “por baixo” das condições de trabalho em C&T.
Recomendações recentes da União Europeia apontam para a necessidade “de criação das condições necessárias para carreiras de I&D mais sustentáveis e de maior interesse para os investigadores”, assinalando que “a sociedade deveria apreciar melhor as responsabilidades e o profissionalismo que os investigadores demonstram na execução do seu trabalho” e que os Estados-Membros devem envidar esforços para garantir que os investigadores (incluindo nas fases de formação) beneficiem de um conjunto de direitos e regalias sociais básicos. É este caminho que todos – investigadores e demais trabalhadores científicos, bolseiros e não-bolseiros – todos, sublinhamos, somos agora chamados a defender. Em nome da construção de um futuro que não podemos mais adiar!
Direcção da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
1 comentários disparatados:
Subscrevo por inteiro.
Retomando um comentário a um post anterior, esta é uma daquelas situações que me envergonha.
terça-feira, junho 07, 2005
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